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(In)comunicação do mercado com o consumidor mais velho

Atualizado: 3 de ago. de 2019



Introdução

Este artigo é um recorte da dissertação de mestrado “Comunicação, Consumo e Envelhecimento: (in)comunicação com o consumidor mais velho”, orientada pela Profa. Dra. Gisela Castro no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM. O trabalho discute a comunicação mercadológica voltada para um segmento do público consumidor que ainda recebe pouca atenção das empresas e dos profissionais de mercado: o consumidor mais velho. Esse público está se tornando relevante para diversos segmentos de mercado que visam capturar essa oportunidade.

Tradicionalmente, a comunicação da maior parte das empresas é dirigida aos consumidores entre 18 e 35 anos de idade. Este é considerado o público-alvo prioritário das marcas. Assim sendo, as empresas direcionam seus esforços aos jovens e a publicidade tenta atrair sua atenção, construindo o ideário de juventude que se constitui como estilo de vida almejado pela maioria.

Por outro lado, o envelhecimento populacional tem trazido mudanças significativas ao mercado, se constituindo como um segmento atrativo. Quando se analisa a representatividade da renda dos brasileiros mais velhos (com 60 anos ou mais), estima-se que seus rendimentos atingiram R$ 456 bilhões em 2015. Apesar de os idosos representarem na ocasião 13% do total da população brasileira, eles contribuíram com 19% do total da massa dos rendimentos.


Essas informações foram estruturadas em conjunto com a Profa Dra. Cristina Helena Pinto de Mello, atual pró-reitora de Pós-Graduação stricto sensu da ESPM, que gentilmente nos ajudou a estabelecer as premissas para a realização dos cálculos, e a quem agradecemos.

Portanto, o mercado necessita de mecanismos de adaptação para explorar o potencial de consumo advindo desses consumidores, tanto em termos da oferta e desenvolvimento de produtos e serviços que atendam às demandas do público, quanto na comunicação adequada que promova a identificação do idoso com o universo das marcas.

Idosos em campanhas de mercado.

O corpus do trabalho compreendeu a observação do conteúdo publicitário de cinco marcas de bens de consumo, dentre elas Dove, Becel, Plenitud, Chronos e L’Oréal Age Perfect; e Pfizer de medicamentos, publicadas na internet no ano de 2015, tanto em sites corporativos quanto nas redes sociais digitais das marcas, somando ao todo quarenta e uma publicações.

Como metodologia empregada, foi usada a análise de conteúdo, seguida de análise crítico-descritiva, que examinou os valores e temas recorrentes nas campanhas. Além disso, foram entrevistados onze profissionais, provenientes de agências de publicidade, institutos de pesquisa e de empresa de bens de consumo, com objetivo de entender a visão do mercado sobre o envelhecimento e seus impactos nos negócios.

Nas campanhas analisadas, visualizamos uma diversidade de valores e temas que caracterizam a maneira pela qual as marcas definem suas estratégias de comunicação ao se dirigir aos consumidores mais velhos. Foram mapeados onze valores baseados em uma pesquisa de segmentação do mercado americano (WOLFE; SNYDER, 2003, p.166-167) e adaptada aos valores da cultura brasileira. Os temas foram criados para agrupar os valores semelhantes e os mais frequentes foram: ‘saúde e bem-estar’, ‘nova forma de envelhecer’, ‘antienvelhecimento’, ‘valorização da maturidade’, vide os conceitos na tabela abaixo:


Constatou-se que a publicidade constrói a imagem de um ‘novo idoso’, valorizado e admirado, promovendo “estilos de vida e modos de ser” (CASTRO, 2012, p. 135), que pretendem servir de modelo a ser seguido pelos mais velhos. Notabiliza-se uma tentativa de construção de imagens mais positivas da velhice que destaca o idoso como um ator social mais presente na sociedade. Essa maneira positiva pretende retratar os idosos como um estilo de vida desejado e aspiracional.

Em contraponto, a divulgação exagerada das imagens de sucesso, liberdade, atividade, energia, longevidade e saúde pode criar a falsa ideia de que todos os idosos sejam capazes de seguir o estilo de vida promovido pelas marcas. Há certo contrassenso entre o ideal de velhice ativa e destemida e a fase em que o corpo já está mais debilitado e envelhecido. O modo de vida retratado nas campanhas reflete a condição de idosos de classes sociais mais altas, que têm acesso a bens e serviços a que a maioria dos idosos brasileiros não possui.

Num primeiro momento, a escolha da internet como meio pesquisado pode parecer incoerente, pois estudamos os consumidores mais velhos e não os jovens que comumente são considerados os “nativos digitais”. Porém, os números evidenciam um rápido crescimento do acesso à internet entre os idosos com 60 anos ou mais, que triplicou em cinco anos no Brasil (vide gráfico 1 abaixo):


Não se deve restringir a velhice a um aspecto meramente demográfico. Segundo a OMS, “a idade cronológica não é uma marca precisa para as mudanças que acompanham o envelhecimento” (2002, p. 4). Dentre os mais velhos há uma grande diversidade de indivíduos com características heterogêneas. Além de muitas faixas etárias distintas, há diferentes graus de senescência e autonomia, condições de moradia, arranjos familiares, escolaridade, níveis de (in)dependência financeira. Portanto, considerar a velhice como um bloco único significa negligenciar sua complexidade.

A OMS incentiva o envelhecimento ativo como estilo de vida ideal para prevenir problemas de saúde, promovendo como bandeiras: a atividade física, a continuidade no trabalho e a interação social. Nesse contexto, observamos certas mudanças na forma de envelhecer e no vigor dos mais velhos, retratados em atividades não associadas a este grupo etário como, a adoção de atividades esportivas, a postergação da aposentadoria, a busca pelo conhecimento na universidade, o lazer ativo, dentre outras. Portanto, observa-se a ressignificação daquilo que é ser velho, o estilo de vida é distinto das gerações anteriores. As pesquisas de mercado da AcNielsen (2013), Euromonitor (2015) e ATKearney (2013) apontam que as pessoas envelhecem com mais autonomia, mais renda e mais acesso à tecnologia.

Na última etapa da pesquisa empírica, elaboramos uma tipologia de idosos para contemplar os modelos presentes nas peças analisadas. Foram categorizadas doze tipologias, dentre elas: velho jovem, não sou velho, idoso dependente, maduro valorizado, idoso anti-idade, mulher madura invisível, idoso auto responsável, idoso poderoso, idoso realizado, idoso ativo, idoso feliz e idoso conectado. Essas tipologias foram inspiradas nos estudos de publicidade realizados por Williams e Ylänne (2012), Waldeigh e Ylänne (2010).

Foi possível vislumbrar uma variedade de tipos presentes nas peças de comunicação, o que nos leva a um retrato complexo e diverso, fruto das novas maneiras de envelhecer às quais nos referimos neste trabalho. Ainda assim, devemos evidenciar que as marcas se valem dessas tipologias de maneira distinta de acordo com sua estratégia de comunicação. O tipo idoso ativo foi o mais presente, encontrado em quatro marcas, já o idoso dependente foi encontrado em apenas uma das marcas.

A partir dessa perspectiva mais ampla, a imagem que se tenta projetar é de um “idoso modelo”, que envelhece cuidando de sua saúde, da casa e das finanças para garantir uma velhice considerada bem-sucedida: um gestor ultra competente em todos os aspectos de sua vida.

Considerações Finais

Os mais velhos começam a ganhar espaço como um grupo relevante de consumidores e passam a ser considerados nas estratégias de marketing das empresas. Esse público tem outras expectativas em relação a produtos e serviços no que diz respeito à qualidade e ao atendimento, pois buscam soluções adequadas ao seu momento de vida. É preciso desenvolver produtos ergonômicos; embalagens mais fáceis de ler, abrir e utilizar; alimentos nutritivos e mais fáceis de deglutir; promover acessibilidade e conforto nas lojas de varejo; serviços de segurança e de saúde em domicílio, dentre outras soluções.

O conhecimento sobre o consumidor deve considerar o contexto do envelhecimento, as características e as limitações impostas pelo passar dos anos, com as mudanças na visão, audição, percepção, aprendizado e compreensão das mensagens. As próprias metodologias de pesquisa de mercado devem ser repensadas para se tornar efetivas e trazer insights para os negócios.

Um bom exemplo é o MIT Age Lab, que se apresenta como um programa de pesquisa multidisciplinar que trabalha com negócios, governo, ONGs para aprimorar a qualidade de vida dos mais velhos e daqueles que se preocupam com eles. O instituto tem, em suas diversas iniciativas, uma proposta de pesquisa denominada Age Gain Now Empathy System (AGNES), que visa entender os desafios físicos de uma pessoa com de 70 anos ou mais de idade. O objetivo é conscientizar sobre as limitações físicas e oferecer soluções consideradas age friendly.

A comunicação mercadológica voltada para os mais velhos tem uma importância crucial na diferenciação de ofertas de produtos e serviços num mercado cheio de opções. As campanhas têm como objetivo atrair a atenção do consumidor mais velho para informar, educar e mobilizar a adquirir certos produtos e serviços.

A publicidade estimula a construção da imagem de um idoso modelo, cujo estilo de vida congrega diversos valores e temas que constituem o retrato de um jovem idoso, que não se vê como velho. Trata-se de um sujeito bem-sucedido, entusiasmado, independente e que vive uma vida ativa: um gestor competente os diversos aspectos do seu cotidiano.

Não podemos aceitar acriticamente que o fato de os mais velhos estarem presentes na comunicação de algumas marcas nos leve a crer que estejam inseridos no mercado de consumo. Sua inclusão deve levar em conta outros fatores como o atendimento de suas necessidades, expectativas em relação aos produtos e serviços, acessibilidade, que respeitem as características inerentes ao envelhecimento.

Os retratos encontrados não representam a diversidade da velhice numa perspectiva abrangente do contexto social, uma vez que estamos tratando de um extrato social privilegiado da população. Há aspectos positivos e negativos da construção da imagem de um novo idoso na mídia. De um lado, essa representação tenta descaracterizar os estereótipos da velhice pobre, dependente e cheia de doenças. Por outro lado, esses retratos recomendam uma forma ‘correta’ de envelhecer, impelindo os mais velhos a adotar determinado padrão de consumo e estilo de vida, que de certo modo escamoteiam os aspectos problemáticos que podem advir velhice em seus estágios mais avançados.

Acreditamos que a construção da imagem ressignificada do consumidor idoso pode também ser entendida como um modo de comparecimento, ainda que em segundo plano, do ideário antienvelhecimento, que sempre reforçou que envelhecer é ruim e que todos deveriam lutar contra o envelhecimento. Nesse cenário, uma questão ainda paira no ar: estaria o mercado realmente promovendo uma comunicação ou ainda haveria situações de incomunicação com os consumidores mais velhos?


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